Matilha

Dia desses era tarde da noite e nós saímos pelas ruas e corremos e brincamos como corriam e brincavam os filhotes dos cães nas ruas. Saímos pelas ruas em busca de liberdade e de subversão à ordem apodrecida.

Esses dias nós saímos como sempre fizemos: cada um era líder da matilha; ninguém era líder de ninguém. E brincamos e rimos. Ah, como nós nos rimos! E fomos também ao rio e nos despimos por completo. Brincamos de rinha de galo: Eduardo montava Gustavo, eu montava Renato. Encara, empurra, soca, imobiliza, arranha, faz cócegas… Falávamos “putarias”. Cada frase dita em que sugeríamos coisas entre o amigo e outro cara vinha acompanhada de um sonoro “OOOUAAAAAAA!” ** com cada vogal muito bem pronunciada, obrigado.

Éramos irmãos: saíamos juntos, dormíamos juntos, descobrimos quase tudo juntos. Éramos coroinhas na igreja, às vezes eu usava a batina de Eduardo, às vezes era Eduardo que usava a minha…

E aos poucos nossa matilha foi se dispersando. Eduardo foi morar fora, Gustavo e Renato foram convocados no exército. E eu… Eu casei-me com Olívia de Almeida Francisco, chegada do Piauí. Nós quase fomos felizes… Não sei o que me faltava.

** Interjeição comum entre pré-adolescentes e adolescentes, principalmente garotos, pra negar qualquer hipótese de envolvimento com algo considerado não convencional.

Arnaldo Ventura.

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